terça-feira, 6 de outubro de 2009

LXIV

A chuva cai lá fora.

Dá-me a sensação, se deixar o olhar perdido no vazio, que cada gota se junta com as outras gotas que se juntam em pequenos riachos citadinhos e me covidam a embarcar num qualquer papel amachucado que jazia no chão e agora é levado pela corrente.

Permaneço na minha mutação estática, o meu corpo presente. Deixo os pensamentos embarcarem nessa viagem, a minha mente ausente.

Hoje viajo pelo passado. Não quero. Não vale a pena. Não vai mudar nada. Não quero a nostalgia nem a dor da lembrança nem as alegrias que foram mas lá ficaram porque o passado é isso mesmo, deixar a parte pesada e trazer a memória mais leve, e estas alegrias e tristezas todas elas me pesam agora, memórias que doem mesmo de momentos tão felizes. Ainda me faz doer mais por ter sido já tão feliz. E agora é que percebo.

Sinto a dor acutilante que cada memória que me atravessa provoca. Não quero, não procuro, mas a chuva que me leva a concentração não pára.



Onde estão as pessoas que povoam o meu passado? Onde estão todos e todas os e as companheiros e companheiras de percursos?

Como se supera a dor de descobrir que temos companhia ao longo de pequenos trajectos? Como se supera a dor antecipada do medo de não saber quando e "onde" é que a companhia presente vai ficar.

Até quando? Quanto tempo? Quanto tempo vou demorar a aprender a aceitar e a saber viajar sem companhia?