quarta-feira, 1 de abril de 2009

XLVII

Lembro-me de quando andava no liceu: era uma pessoa que estava sempre a rir por muito triste que estivesse. Poucas pessoas conseguiam saber quando eu estava bem. Estar bem era raro, agora já nem tanto.

Se eu estivesse no liceu faria agora como fazia nessa altura: chegava a casa e cortava-me. No braço.
Cortava-me em golpes lentos mas firmes em zonas pouco irrigadas. O sangue, apesar de belo, quente e saboroso tirava-me a visibilidade e o objectivo não era sangrar.
Os golpes repetidos contínuamente nos mesmos sítios cessavam quando a dor física começasse. Apesar de ser esse o meu trato com a minha pessoa muitas vezes não o cumpria quando a dor começava a ser um prazer.

Mas já não ando no liceu. A moda grunge que tanto jeito deu na altura para esconder este aspecto de mim não se aplica a alguém da minha condição social.

Deduzo que pessoas da minha condição social façam musculação, yoga, natação, hip-hop, caminhadas para enganar a dor. Tenham filhos. Bebam copos à noite.

Eu não a engano. Eu quero-a. Apesar de não a poder cortar.

1 comentário:

Anónimo disse...

A dor física provocada livremente é um optimo suplemento a mente que constantemente sente dor. A dor mental é tão grande que só com a dor física em momentos se "distraí" fazendo com que a dor mental fique quase que em "stand by" visto que a mente neste caso concreto dá prioridade ao físico. Mas tem razão já não é mais criança. E o seu estatuto não está para modas novas de torturas.

Mude de estatuto social. E faça todas essas coisas que aconselha a fazer. Mude. Alguma coisa na sua vida.

Abraço. Free.